Thursday, July 19, 2007

Miguel Franco - Actor e Dramaturgo


…de Miguel Lino a Miguel Franco


Miguel Franco 1938



Miguel Carlos Franco nasceu em Leiria a 14 de Abril de 1918.
Infância e adolescência passa-as entre a escola, o trabalho e o “ Terreiro”.
Nos seus contos-memória, sobretudo em “O Estroina” revive-se o ambiente da época:

- “ criançada “ à solta brincando aos circos na imitação da vida.


O Estroina-herói* vem alegrar as ingénuas corridas, as richas, os sonhos das crianças a quem foram negados os colos tão cedo ainda!...


Miguel Lino é o sonhador dos circos. E as garotas, de olhos tímidos: o medo dos rapazes espreita em cada pedra, em cada esquina. Mas ousam partilhar as brincadeiras, as cantigas tão pudicas de então…


E os miúdos educados pelas mães soltam as diabruras, crescendo numa vida
De apostas sucessivas, fazendo-se Homens apenas sobre os seus próprios pés.


Da criança de 1918 sai este homem sempre à espera do dia seguinte.
Do circo e dos teatros de rua passa para o teatro amador, actividade em que se inicia em 1942.
Em 1950 funda o Grupo de Teatro Miguel Leitão de que é o principal dinamizador. Para a acção deste grupo amador pôde contar com o carinho e colaboração de amigos que a ele se chegaram numa vontade comum de levar teatro a todos os pontos do País.


Depois de Tá-Mar de Alfredo Cortêz e depois de conquistados vários êxitos, Miguel Franco repensa o teatro amador como modo de cultura e faz representar Gil Vicente com a Farsa de Inês Pereira em ambientes adaptados no Castelo de Leiria, Convento de Tomar e Mosteiro de Alcobaça.
È um intento de fazer coabitar os espaços e o teatro históricos.


Nesta linha e em substituição do Grupo de Teatro Miguel Leitão anteriormente extinto (1964) por “provincianas guerrilhas de opinião” Miguel Franco organiza, em conjunto com a Liga dos Amigos do Castelo de Leiria os “Festivais de Arte de Leiria” em 1972.






Falhado o projecto envereda definitivamente pela actividade cinematográfica, acedendo a convites formulados por Cunha Telles ( “O Cerco”) , por Manuel Guimarães (“ O Crime de Aldeia Velha” , Trigo e o Joio”, “Lotação Esgotada”), por António Vitorino de Almeida (“A Culpa”) por Lauro António (“ Manhã Submersa”) por António Macedo (“Domingo à Tarde”), etc.…


Como autor publica em 1964 “O Motim” ( do qual vem a desempenhar o seu último papel em 1986 como “juiz do povo” aquando da homenagem que lhe é prestada por “A Tela” de Carlos Fragateiro)

Mais tarde publica “ A Legenda do Cidadão Miguel Lino” **à qual é atribuído o “Prémio Almeida Garrett” pelo Ateneu Comercial do Porto, “O Capitão de Navios”. Prepara entretanto “Leanor da Fonseca Pimentel”, nunca terminada e recolhe projectos vários…
Em 1987, Jorge Listopad entrevista-o já doente na sua casa em Queluz já afastado da terra onde nasceu, a que tanto deu e que tanto o amargurou…
Morre em 19 de Fevereiro de 1988.



*Miguel Franco,na sua alma de poeta e humanista, presta nesta peça homenagem a uma das figuras da sua infância que povoam o seu imaginário.




** Cecílio Flor

Quando eu era menino, havia o Cecílio Flor.
Toda a cidade, ruas e casas, gentes e coisas, e as ervas esquecidas das valetas, exalavam perfume, quando lá vinha o Cecílio Flor.
Era grande, era enorme para os meus olhos de menino, e eu ficava-me parado e pasmado quando ele atravessava a Praça dos Arcos, numa nuvem de música, e os lojistas, senhores do balcão, saíam e ficavam parados às portas, porque lá vinha o Cecílio Flor a tocar ocarina.
Tinha um som de prata, de flauta e de búzio, a ocarina do Cecílio Flor, e a Praça dos Arcos ficava cheia daquele som, agudo e redondo, quando ele lá vinha, cego e descalço, numa
nuvem de música.
Ele não era realmente Cecílio Flor. Era só Cecílio, mas eu acrescento-lhe a flor, para dar nome àquele som fresco e aveludado.
O rapazio seguia-o e provocava-o, porque ele era cego, e o Cecílio Flor, tão grande e tão forte, chorava num choro rouco e muito fundo, e tão pisado como uma flor amachucada.
No outro dia, lá vinha o Cecílio Flor, e as músicas e os sons longos, finos e graves, soltavam as asas, enquanto ele, cego e descalço, atravessava a Praça dos Arcos a tocar ocarina.

Miguel Franco
(contos inéditos não datados)