Friday, December 21, 2007

Miguel Franco_a obra

...


sobre a


LEGENDA DO CIDADÃO MIGUEL LINO




Sunday, December 16, 2007

Miguel Franco_a obra




Entrevista por Carlo Benigno da Cruz













C.B.C.:- Das suas peças de teatro, quais estão publicadas- e quais já foram representadas?M.Franco:- Editadas,duas: "O MOTIM", em 1960 e 1964, e " A LEGENDA DO CIDADÃO MIGUEL LINO", em 1973. Mais dois pequenos trabalhos foram dados ao público: uma peça em um acto "Visita muito breve", que saiu agora em separata na Revista "Autores" da Sociedade Portuguesa de Autores, e "Prólogo para a Farsa de Inês Pereira dito por Gil Vicente à Corte de Dom João III", pequeno trecho teatral que ditribui pelo público de espectáculos de ar livre que representei com a minha companhia ( Grupo de Teatro Miguel Leitão) com aquela farsa vicentina,no Castelo de Leiria,em 1957 e 58 e nos claustros dos Mosteiros de Alcobaça e Tomar, em 1959 e 1961, e no Teatro da Trindade em Lisboa, naquele último ano.Representada em montagem profisional foi "O MOTIM", pela Companhia do Teatro Nacional, que a estreou no Teatro Avenida, a seguir ao incêndio do seu Teatro do Rossio, com "luzida" assistência oficial, a máxima, e vasto público, e a teve em cena apenas para cinco espectáculos.

C.B.C.:- Só cinco dias porquê?

M.Franco:- Porque quando os bilheteiros se preparavam para abrir os "guichets" cerca das 14 horas,daquele 5º dia,(um dos espectáculos fora da tarde de Sábado anterior) a PIDE - então ainda não DGS entrou pelo teatro ,intimou os bilheteiros a suspenderem o gesto, rasgou cartazes anunciadores nos "placards" da rua e da entrada, ameaçou e saiu pela direita baixa (demasiado "direita" e demasiado "baixa"!).A partir daquela hora - de espanto e indignação para os empregados do teatro, para as pessoas que aguardavam a abertura das bilheteiras ( uma amiga minha contou-me a pobre cena...) e para alguns actores que entretanto iam chegando - uma lage de cimento caiu sobre "O MOTIM". Tomei depois conhecimento, por amigos dos jornais, suponho, de que passara a estar rigorosamente proibido pela Censura qualquer alusão ao acontecimento, à peça e ao meu nome.

A empresária do Nacional, siderada, telefonou-me logo naquela tarde , pedindo a minha presença em Lisboa, para tentar obter junto das instâncias oficiais o "remédio" para tal situação ou,pelo menos, uma explicação , que até àquela hora,ninguèm deu em termos decentes (admitindo que a seguir a uma indecência, poderiam ocorrer explicações decentes!...).

A senhora,desolada, lamentava a avalancha que desabara sobre a sua actividade, a sua vida: a destruição do D. Maria e, dois meses depois, a violência sobre "O MOTIM", cortando abruptamente uma carreira que (supunha-o) lhe iria salvar uma boa parte dos prejuízos sofridos...Tentei em vão,como é óbvio, "passos" em Lisboa.

Passar pelo Avenida, a olhar os placards mal rasgados e os guichets de pala caída, enquanto ia consertando os planos da minha próxima actuação.
Comecei por pedir uma audiência ao director da Censura teatral, a cujas pregorrativas escapava o sistema censório do Nacional. A escolha de peças para o Nacional era feita (?) por um Conselho de Leitura, o que, decerto, (calculara eu e o confirmei), enciumava aquele sumo-sacerdote censurador: - Pois lamentava o que havia sucedido…” Defeitos do sistema” – chegou a atirar. Não podia fazer nada. Mas punha-se à minha disposição para uma leitura da peça…e sugerir-me os “retoques”de que a mesma necessitava “para funcionar” e prosseguir a carreira natural de uma peça de teatro…”No Nacional?” perguntou a minha ansiedade.”Não! Isso é lá com eles”. E lamentou a maneira como as coisas estavam organizadas.”Nem compreendo a razão do que se passou, o Senhor Presidente na estreia…Lastimo-o…E não estou de acordo!”

C.B.C. – Mas realmente como explica que a peça tivesse subido à cena?

M.Franco: - Por desmazelo. È a explicação que consigo dar. O Conselho de Leitura, que devia funcionar como conselho, não funcionou. Formavam-no uns cinco elementos, dos quais, dois ou três eram realmente homens de teatro (estou a recordar António Pedro, a quem talvez se deva a subida à cena da peça). Esses leram. Para os restantes, devia ser o “tacho” habitual. Não leram. E aceitaram o voto dos que tinham lido. Ou não souberam ler. De qualquer forma, falta de zelo (bem conveniente) no serviço.
Antes de seguir: consta-me que nunca houve Conselho de Leitura.

C.B.C.: - Foi tudo?
M.Franco: - Não. Entretanto um dos bilheteiros do Nacional/Avenida informara-me de que na noite da estreia, quando terminado o espectáculo, o Presidente Tomas e o seu séquito de ministros desciam o estreito escadório dos camarotes, ouvira Marcelo Caetano, então figura lateral do regime, dizer com ironia venenosa a alguém da “corte”. –“ Então o Governo agora subsidia “motins”!? “ (Aludia, claro ao dispêndio governamental com o Teatro do Estado).
Senti barrarem-se-me todos os caminhos. Procurei, então, no outro dia, o director do Teatro, funcionário superior do Ministério da Educação, e tudo se esclareceu “ O Teatro vai para obras! Foi essa a razão por que a peça foi retirada. Questões de segurança. Compreende?”. Compreendi. E fiz a natural pergunta, uma vez mais : - “ Então, depois a peça voltará?...” – ”Não! Esta não!”. E sumiu-se pelo primeiro corredor que achou ali à mão.
Triste como a morte (mas com um secreto sorriso que eu uso cá dentro), não perguntei a mais ninguém pelo meu “MOTIM”. Fiquei a amá-lo em silêncio, por todos estes prazeres-desgostos que me dera.

C.B.C.: - Teve mais entraves na censura com alguma outra obra sua?
M.Franco
: - Sim. Escrevi entretanto a “Legenda do Cidadão Miguel Lino”.
È uma meditação com raiva sobre as opções decisivas.
Amélia Rey Colaço pediu-ma (já a peça tinha sido um ou dois anos proibida ao TEP, no Porto).
As tentativas de a levar ao Capitólio (em cujo palco trabalhava então a Companhia do Teatro Nacional, depois do incêndio do Avenida), são uma história pitoresca para outra entrevista se vier a jeito.

C.B.C.: - Como sentia “O MOTIM” há semanas e como o sente agora, após o “25 de Abril”?
M.Franco: -Julgo que a minha peça tem “razão” que não se esgotou. Peça de combate, da explosão de vexames recalcados, a cinco segundos de um patíbulo, está viva, porque os seus combatentes não morrem. “O Povo não morre”- dizem eles. Julgo que continuará a viver com esse fogo.
Há dias, alguém, falando-me nela, disse que ficará, pelo menos, como uma “peça didáctica”, a fazer representar de tempos a tempos, para não deixar esquecer os processos de estrangulamento do povo.
Assim seja. Não desejo mais.

C.B.C.: - Qual é, no momento actual, a função que atribui ao Teatro em Portugal?
M.Franco: - O Grande Teatro, agora, em Portugal é na rua,,no encontro de amigos, nas grandes euforias da nossa vida cívica.
Por isso os Teatros estão vazios.
É na rua, dinâmica, que está agora o espectáculo!
Mas julgo que o criador, o autor, o encenador que conseguir imaginar um espectáculo que seja reflexo da luz forte da vida nacional de agora, fará o Teatro necessário. Reflexo e reajuste, justiça e calor criador, teatro de multidão em marcha. Teatro de massas, procurando os caminhos do futuro. Com a inteligência!

C.B.C.: - Quando escreve teatro, toma em consideração o espectáculo?
M.Franco:
- Eu escrevo o que vejo. Imagino, visualiso. E não só. Imagino.ouço, respondo e disparo. Escrevo a acção teatral, com movimentos, gestos e falas.
Julgo-me sempre a estar a assistir a um espectáculo que me vai nascendo, umas vezes abarcando a cena inteira, outras a pequena cena, o diálogo fugaz, o gesto que os outros (personagens) não vêem. Acho que é uma escrita instintiva. Ou um registo. E gozo.

C.B.C.: - O teatro dramático pertence mais à literatura ou ao teatro mesmo?
M.Franco. – O meu, ao Teatro mesmo. Assim o quero, pelo menos. O que tiver de literário é defeito. Defeito num criador teatral (uma espécie de “reumatismo” que os anos vão carreando e se acrescenta ao “congenital”).

C.B.C.: - Acha ou não que a publicação em livro de textos de teatro tende a desaparecer?
M.Franco:
- Não lhe sei dizer. Talvez não: Quem tiver imaginação teatral pela leitura, assiste dentro de si ao espectáculo. A leitura teatral não tem maus actores. Tem os nossos.

C.B.C.: - Quanto ao novo espectáculo de “O MOTIM”?
M.Franco: - Estão em curso os ensaios. Na grande parte dos actores, de reanimação de memória. No entanto, neste momento em que em que escrevo, julgo ter havido uma suspensão, cujas razões ainda estão mal esclarecidas.

C.B.C.: - Quando foi contactado e por quem?
M.Franco
. – Pela Sociedade de Autores, a pedido de Amélia Rey Colaço, como disse na sua notícia ou comunicado aos jornais.

C.B.C.: - Terá a mesma encenação?
M.Franco: - A mesma. Mas aberta, clara e vigorosa, que o “25 de Abril” irá permitir.

C.B.C. : - Dará alguma colaboração?
M.Franco:
- A que me for pedida – ou a que eu entender dever sugerir. É a minha obrigação de autor e de primeiro espectador da peça. E de primeiro seu encenador, ao imaginá-la.





23 de Maio de 1974
Miguel Franco


esboço para o painel alusivo a O MOTIM que está inserido no
TEATRO MIGUEL FRANCO em Leiria
e que foi doado ao teatro por Maria João Franco,pintora,filha do dramaturgo

Thursday, July 19, 2007

Miguel Franco - Actor e Dramaturgo


…de Miguel Lino a Miguel Franco


Miguel Franco 1938



Miguel Carlos Franco nasceu em Leiria a 14 de Abril de 1918.
Infância e adolescência passa-as entre a escola, o trabalho e o “ Terreiro”.
Nos seus contos-memória, sobretudo em “O Estroina” revive-se o ambiente da época:

- “ criançada “ à solta brincando aos circos na imitação da vida.


O Estroina-herói* vem alegrar as ingénuas corridas, as richas, os sonhos das crianças a quem foram negados os colos tão cedo ainda!...


Miguel Lino é o sonhador dos circos. E as garotas, de olhos tímidos: o medo dos rapazes espreita em cada pedra, em cada esquina. Mas ousam partilhar as brincadeiras, as cantigas tão pudicas de então…


E os miúdos educados pelas mães soltam as diabruras, crescendo numa vida
De apostas sucessivas, fazendo-se Homens apenas sobre os seus próprios pés.


Da criança de 1918 sai este homem sempre à espera do dia seguinte.
Do circo e dos teatros de rua passa para o teatro amador, actividade em que se inicia em 1942.
Em 1950 funda o Grupo de Teatro Miguel Leitão de que é o principal dinamizador. Para a acção deste grupo amador pôde contar com o carinho e colaboração de amigos que a ele se chegaram numa vontade comum de levar teatro a todos os pontos do País.


Depois de Tá-Mar de Alfredo Cortêz e depois de conquistados vários êxitos, Miguel Franco repensa o teatro amador como modo de cultura e faz representar Gil Vicente com a Farsa de Inês Pereira em ambientes adaptados no Castelo de Leiria, Convento de Tomar e Mosteiro de Alcobaça.
È um intento de fazer coabitar os espaços e o teatro históricos.


Nesta linha e em substituição do Grupo de Teatro Miguel Leitão anteriormente extinto (1964) por “provincianas guerrilhas de opinião” Miguel Franco organiza, em conjunto com a Liga dos Amigos do Castelo de Leiria os “Festivais de Arte de Leiria” em 1972.






Falhado o projecto envereda definitivamente pela actividade cinematográfica, acedendo a convites formulados por Cunha Telles ( “O Cerco”) , por Manuel Guimarães (“ O Crime de Aldeia Velha” , Trigo e o Joio”, “Lotação Esgotada”), por António Vitorino de Almeida (“A Culpa”) por Lauro António (“ Manhã Submersa”) por António Macedo (“Domingo à Tarde”), etc.…


Como autor publica em 1964 “O Motim” ( do qual vem a desempenhar o seu último papel em 1986 como “juiz do povo” aquando da homenagem que lhe é prestada por “A Tela” de Carlos Fragateiro)

Mais tarde publica “ A Legenda do Cidadão Miguel Lino” **à qual é atribuído o “Prémio Almeida Garrett” pelo Ateneu Comercial do Porto, “O Capitão de Navios”. Prepara entretanto “Leanor da Fonseca Pimentel”, nunca terminada e recolhe projectos vários…
Em 1987, Jorge Listopad entrevista-o já doente na sua casa em Queluz já afastado da terra onde nasceu, a que tanto deu e que tanto o amargurou…
Morre em 19 de Fevereiro de 1988.



*Miguel Franco,na sua alma de poeta e humanista, presta nesta peça homenagem a uma das figuras da sua infância que povoam o seu imaginário.




** Cecílio Flor

Quando eu era menino, havia o Cecílio Flor.
Toda a cidade, ruas e casas, gentes e coisas, e as ervas esquecidas das valetas, exalavam perfume, quando lá vinha o Cecílio Flor.
Era grande, era enorme para os meus olhos de menino, e eu ficava-me parado e pasmado quando ele atravessava a Praça dos Arcos, numa nuvem de música, e os lojistas, senhores do balcão, saíam e ficavam parados às portas, porque lá vinha o Cecílio Flor a tocar ocarina.
Tinha um som de prata, de flauta e de búzio, a ocarina do Cecílio Flor, e a Praça dos Arcos ficava cheia daquele som, agudo e redondo, quando ele lá vinha, cego e descalço, numa
nuvem de música.
Ele não era realmente Cecílio Flor. Era só Cecílio, mas eu acrescento-lhe a flor, para dar nome àquele som fresco e aveludado.
O rapazio seguia-o e provocava-o, porque ele era cego, e o Cecílio Flor, tão grande e tão forte, chorava num choro rouco e muito fundo, e tão pisado como uma flor amachucada.
No outro dia, lá vinha o Cecílio Flor, e as músicas e os sons longos, finos e graves, soltavam as asas, enquanto ele, cego e descalço, atravessava a Praça dos Arcos a tocar ocarina.

Miguel Franco
(contos inéditos não datados)